domingo, 4 de abril de 2010

YOANI SÁNCHEZ por Márcio Debellian

Yoani Sánchez, DESENCUBA   
Texto e foto de Marcio Debellian

> Assista à entrevista exclusiva de Yoani Sánchez ao SaraivaConteúdo: Parte 1 e Parte 2


Há muito tempo vinha me prometendo visitar Cuba. Queria conhecer a ilha antes da morte de Fidel Castro, e das inevitáveis (espero!) mudanças que virão junto com este dia. Viajar para Cuba soava como a vontade de encarar uma contradição pessoal: de um lado, a simpatia histórica que tenho pelo país, uma certa visão romântica da idéia de revolução. Do outro, a minha completa intolerância a qualquer tipo de regime totalitário, anti-democrático, que não respeita a liberdade de expressão.  Para viver este dilema em sua plenitude, decidi que deveria aproveitar meus dias em Cuba para tentar entrevistar a blogueira Yoani Sánchez, que desde 2007 mantém o blog Generacion Y e atrai milhões de visitantes no mundo inteiro, com suas “histórias, perguntas, crônicas, desejos, frustrações de uma Cuba real, que não aparece nos meios oficiais de comunicação, controlados pelo governo”.
Yoani foi eleita pela revista Time uma das cem personalidades mais influentes do mundo no ano de 2008, e teve o seu trabalho reconhecido até mesmo pelo presidente norte-americano Barack Obama que, no final de 2009, topou responder por e-mail sete perguntas enviadas por ela.  Em sua casa, Yoani mantém uma Academia de Blogs, dedicada a formar outros periodistas, com aulas que vão desde noções básicas das ferramentas virtuais, até fotografia e tratamento de imagens, ética e técnicas de redação. Os cursos são gratuitos e os professores, voluntários.
Entrei em contato com Jaime Pinsky, da Editora Contexto, que publicou no ano passado o livro de Yoani, De Cuba, com carinho, no Brasil, e ele me passou o número do seu telefone em Havana. Depois de muitas tentativas, consegui completar a ligação. Conversamos brevemente e agendamos um encontro numa tarde, no Parque Central, em Havana Velha, embaixo da estátua de José Martí, poeta e filósofo que criou o Partido Revolucionário Cubano (PRC).
Cerca de 40 minutos após o horário combinado, quando já estava quase descrente do encontro, Yoani chegou acompanhada de sua irmã. Fomos a um café localizado numa sobreloja discreta no antigo prédio da Bacardi, confiscado após a revolução.
Havia chegado a Cuba três dias antes do nosso encontro. Naquele ponto, minhas ilusões românticas sobre o país já haviam se dissolvido. A minha primeira pergunta foi: “Como vocês resistem a este regime por mais de cinco décadas?”. Yoani foi certeira: “Quem não resistiu, foi embora do país, e quem ficou tem esta aparência de apatia que você descreveu”.
O povo cubano parece anestesiado, sem brilho no olhar, triste. Miséria não há, mas a pobreza está em toda a parte. As filas e a aparência dos mercados de racionamento são constrangedoras. Os carros antigos deixaram de ser charmosos e hoje circulam precariamente, exalando um forte cheiro de gasolina com querosene, que me fez pensar que bastaria riscar um fósforo para tudo explodir. Os edifícios e as casas carecem de conservação. O transporte público é ineficiente e à noite se vê muita gente pedindo caronas nas ruas escuras de Havana. O turista é visto como uma fonte de renda ambulante, e precisa driblar pequenos golpes ao longo do dia. Com salários mensais em torno de 35 dólares, ou o equivalente a 15 mojitos nos bares de Havana, fica difícil os turistas serem olhados de outra maneira. E a tudo isso, dá-se o nome de “ditadura do proletariado”,  termo que tinha ficado adormecido na minha memória, e que foi usado por um taxista que tentou me descrever o regime em Cuba.

Procurei não antecipar outras questões para não tirar o frescor da filmagem da entrevista, que Yoani preferiu deixar para o dia seguinte, na casa dela, onde ocorreria um encontro da Academia de Blogs. As instruções para chegar até lá foram minuciosas: “Meu marido irá buscá-lo na estação de trem e indicará qual é o prédio. Não suba de elevador até o andar da minha casa, salte alguns andares antes e vá de escada. A minha porta tem uma bandeira de Cuba com um @ e os dizeres ‘Internet para todos’”.
O cuidado procede. Yoani já foi seqüestrada e espancada, e diz-se constantemente vigiada por membros do Ministério do Interior. Em seu livro e no blog, publicou fotos dos homens que permanecem de plantão na entrada do edifício. A esta altura, eu tinha receio de que o nosso encontro do dia anterior tivesse sido registrado, e que estes agentes do governo começassem a querer investigar a razão da minha presença na casa dela.
Quando chegamos – eu e meu amigo Rodrigo Bittencourt, cineasta e escritor, que viajou comigo e se prontificou a fazer as imagens da entrevista –, Yoani estava ensinando aos alunos como criar categorias e tags nos blogs. Havia cerca de 30 pessoas em sua casa. Diante de uma tela na parede da sala e com algo que parecia uma antena de TV apontando a cada detalhe da projeção, Yoani explicava pausadamente e tirava dúvidas do grupo, que reunia pessoas entre 16 e 54 anos. No intervalo entre uma aula e outra, Yoani foi para a cozinha e preparou salsichas para todo o grupo. Um grande saco de bolachas de água e sal também ficou disponível para os alunos. Ao final da aula, um mutirão cuidou da louça e da rearrumação da casa.
Alguns membros da academia preferem o anonimato e não assinam seus blogs. É o caso do fotógrafo que mantém o Fotos de Cuba Hoy e traz registros como a missa pela morte de Orlando Zapata, além de fotos da internação do jornalista Guillermo Fariñas, que também encontra-se em greve de fome e sede. Já Regina Coyula, que foi funcionária do Ministério do Interior durante 20 anos e mantém o blog La Mala Letra, faz questão de dar o nome e publicar a sua foto. Perguntada sobre como foi a formatação de seu site, ela disse: “Só vi a cara do meu blog duas vezes. Uso uma ferramenta do Wordpress, que publica automaticamente a partir dos e-mails que envio”. Além disso, os blogueiros cubanos encontraram uma rede de solidariedade virtual que os ajudam a publicar, a partir de e-mails, textos ditados ao telefone, e ainda traduzem os posts para outros idiomas. O blog de Yoani está disponível em 15 línguas, por conta deste trabalho voluntário.
Os cubanos “comuns” não têm acesso à internet, “mas são especialistas em buscar tudo o que está proibido”, e fazem estes textos circular pela ilha através de CDs gravados e pendrives que passam de mão em mão. Alguns blogs até pedem a doação de CDs virgens para ajudar na divulgação das notícias.
Yoani, que começou seu blog acessando a internet em hotéis, disfarçada de turista, agora está postando também no twitter [@yoanisanchez], usando uma ferramenta que converte em tweet a mensagem texto enviada através do seu celular. “Se o blog Generación Y me permitiu colocar as minhas opiniões no espaço cibernético, a minha conta no Twitter me brindou com a imediatez”, comemorou num tweet do dia 05 de março.
A entrevista durou cerca de 25 minutos. Na despedida, Yoani me pediu cuidado ao deixar o país com a câmera e a fita. Na saída do prédio, lá estavam dois homens que pareciam os vigias de plantão. Apertamos o passo em busca de um táxi. Sorte nossa que a apatia parece ter chegado também aos governistas. Depois de alguns metros, eles desistiram de nos seguir.
Voltei de Cuba pouco antes da morte de Orlando Zapata, que estava preso por delito de opinião, e da visita de Lula à ilha em meados de fevereiro. Dois atos extremamente simbólicos: o primeiro, deixou-se morrer por uma greve de fome. Escolheu a não-ação extrema como forma de ação. A apatia máxima como forma de protesto. Foi vítima da constatação de que não adiantava mais agir. Morrer foi o seu protesto.
Já o presidente Lula, que em sua trajetória lutou contra a ditadura militar, e tratou de indenizar os presos políticos durante o seu governo – sem contar que agora tenta eleger como sua sucessora uma ex-presa política – calou-se diante da morte de Zapata. Posou sorridente ao lado de Fidel, que depois de velho abandonou o uniforme verde-oliva e se veste com casacos de marcas “capitalistas” como Nike e Adidas, que não são comercializadas na ilha.
Circula na mesma internet que hoje abre a principal janela de liberdade dos 51 anos do regime de Fidel, um vídeo com uma entrevista gravada em 1959, em que o líder cubano recém-empossado profere as seguintes palavras: “Este é um lugar democrático. Não há razão de proibição de qualquer natureza. Liberdade de expressão é o princípio para qualquer democracia. O que se vê aqui é o absoluto clima de liberdade de opinião e direitos humanos.”
Quando o assunto é Cuba, a contradição é o regime.
Fonte: http://www.saraivaconteudo.com.br/

> Confira o blog de Yoani Sánchez, Generación Y

> Yoani Sánchez na Saraiva.com.br


> Assista à entrevista exclusiva de Yoani Sánchez ao SaraivaConteúdo



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