01 - O início                    A evolução da literatura de  cordel no Brasil                      não ocorreu de maneira harmoniosa. A oral,  precursora                      da escrita, engatinhou penosamente em busca de forma  estrutural.                      Os primeiros repentistas não tinham qualquer  compromisso                      com a métrica e muito menos com o número de                      versos para compor as estrofes. Alguns versos  alongavam-se                      inaceitavelmente, outros, demasiado breves. Todavia,  o interlocutor                      respondia rimando a última palavra do seu verso com                      a última do parceiro, mais ou menos assim: 
 
 
Repentista A - O cantor que pegá-lo de revés 
Com o talento que tenho no meu braço...  
Repentista B - Dou-lhe tanto que deixo num  bagaço 
Só de murro, de soco e ponta-pés.  
 
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02 - Parcela ou Verso de  quatro sílabas                     
A parcela ou verso de quatro sílabas é o mais                      curto conhecido na literatura de cordel. A própria                      palavra não pode ser longa do contrário ela                      sozinha ultrapassaria os limites da métrica e o  verso                      sairia de pé quebrado. A literatura de cordel por  ser                      lida e ou cantada é muito exigente com questão                      da métrica. Vejamos uma estrofe de versos de quatro                      sílabas, ou parcela. 
 
Eu sou judeu 
para o duelo 
cantar martelo 
queria eu  
o pau bateu  
subiu poeira  
aqui na feira  
não fica gente  
queimo a semente  
da bananeira. 
Quando os repentistas cantavam parcela (sim,  cantavam, porque                      esta modalidade caiu em desuso), os versos brotavam  numa seqüência                      alucinante, cada um querendo confundir mais rapida  mente o                      oponente. Esta modalidade é pre-galdiniana, não                      se conhecendo seu autor. 
 
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03 - Verso de cinco  sílabas                     
Já a parcela de cinco sílabas é mais                      recente, e não há registro de sua presença                      antes de Firmino Teixeira do Amaral, cunhado de  Aderaldo Ferreira                      de Araújo, o Cego Aderaldo. A parcela de cinco  sílabas                      era cantada também em ritmo acelerado, exigindo do                      repentista, grande rapidez de raciocínio. Na peleja                      do Cego Aderaldo com Zé Pretinho do Tucum, da  autoria                      de Firmino Teixeira do Amaral, encontramos estas  estrofes: 
Pretinho: 
no sertão eu peguei 
um cego malcriado 
danei-lhe o machado 
caiu, eu sangrei 
o couro tirei 
em regra de escala 
espichei numa sala 
puxei para um beco 
depois dele seco 
fiz dele uma mala 
Cego: 
Negro, és monturo 
Molambo rasgado 
Cachimbo apagado 
Recanto de muro 
Negro sem futuro 
Perna de tição 
Boca de porão 
Beiço de gamela 
Venta de moela 
Moleque ladrão 
Estas modalidades, entretanto, não foram as  primeiras                      na literatura de cordel. Ao contrário, ela vieram  quase                      um século depois das primeiras manifestações                      mais rudimentares que permitiram, inicialmente, as  estrofes                      de quatro versos de sete sílabas.  
 
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04 - Estrofes de quatro  versos de sete                      sílabas                     
O Mergulhão quando canta 
Incha a veia do pescoço 
Parece um cachorro velho 
Quando está roendo osso. 
Não tenho medo do homem 
Nem do ronco que ele tem 
Um besouro também ronca 
Vou olhar não é ninguém 
A evolução desta modalidade se deu naturalmente.                      Vejamos a última estrofe de quatro versos acrescida                      de mais dois, formando a nossa atual e definitiva  sextilha: 
Meu avô tinha um ditado  
meu pai dizia também: 
não tenho medo do homem  
nem do ronco que ele tem  
um besouro também ronca  
vou olhar não é ninguém. 
 
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05 - Sextilhas                     
Agora, de posse da técnica de fazer sextilhas, e  uma                      vez consagradas pelos autores, esta modalidade  passou a ser                      a mais indicada para os longos poemas romanceados,  principalmente                      a do exemplo acima, com o segundo, o quarto e o  sexto versos                      rimando entre si, deixando órfãos o primeiro,                      terceiro e quinto versos. É a modalidade mais rica,                      obrigatória no início de qualquer combate poético,                      nas longas narrativas e nos folhetos de época.  Também                      muito usadas nas sátiras políticas e sociais.                      É uma modalidade que apresenta nada menos de cinco                      estilos: aberto, fechado, solto, corrido e  desencontrado.                      Vamos, pois, aos cinco exemplos: 
Aberto: 
Felicidade, és um sol 
dourando a manhã da vida,  
és como um pingo de orvalho  
molhando a flor ressequida  
és a esperança fagueira  
da mocidade florida. 
Fechado: 
Da inspiração mais pura,  
no mais luminoso dia,  
porque cordel é cultura  
nasceu nossa Academia  
o céu da literatura,  
a casa da poesia. 
Solto: 
Não sou rico nem sou pobre  
não sou velho nem sou moço  
não sou ouro nem sou cobre  
sou feito de carne e osso 
sou ligeiro como o gato 
corro mais do que o vento. 
Corrido: 
Sou poeta repentista 
Foi Deus quem me fez artista 
Ninguém toma o meu fadário 
O meu valor é antigo 
Morrendo eu levo comigo 
E ninguém faz inventário 
Desencontrado: 
Meu pai foi homem de bem 
Honesto e trabalhador 
Nunca negou um favor 
Ao semelhante, também 
Nunca falou de ninguém 
Era um homem de valor. 
 
 
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06 - Setilhas                     
Uma prova de que as setilhas são uma modalidade  relativamente                      recente está na ausência quase completa delas                      na grande produção de Leandro Gomes de Barros.                      Sim, porque pela beleza rítmica que essas estrofes                      oferecem ao declamador, os grandes poetas não  conseguiram                      fugir à tentação de produzi-las. Para                      alguns, as setilhas, estrofes de sete versos de sete  sílabas,                      foram criadas por José Galdino da Silva Duda, 1866                      - 1931. A verdade é que o autor mais rico nessas  composições,                      talvez por se tratar do maior humorista da  literatura, de                      cordel, foi José Pacheco da Rocha, 1890 - 1954. No                      poema A CHEGADA DE LAMPIÃO NO INFERNO, do inventivo                      poeta pernambucano, encontram estas estrofes: 
Vamos tratar da chegada  
quando Lampião bateu  
um moleque ainda moço  
no portão apareceu. 
- Quem é você, Cavalheiro - 
- Moleque, sou cangaceiro -  
Lampião lhe respondeu. 
- Não senhor - Satanás, disse  
vá dizer que vá embora  
só me chega gente ruim  
eu ando muito caipora  
e já estou com vontade  
de mandar mais da metade  
dos que tem aqui pra fora. 
Moleque não, sou vigia 
e não sou o seu parceiro 
e você aqui não entra 
sem dizer quem é primeiro 
- Moleque, abra o portão 
saiba que sou Lampião 
assombro do mundo inteiro. 
Excelente para ser cantada nas reuniões festivas ou                       nas feiras, esta modalidade é, ainda hoje, muito  usada                      pelos cordelistas. Esta modalidade é, também,                      usada em vários estilos de mourão, que pode                      ser cantado em seis, sete, oito e dez versos de sete  sílabas.                      Exemplos: 
Cantador A 
- Eu sou maior do que Deus 
maior do que Deus eu sou 
Cantador B  
- Você diz que não se engana  
mas agora se enganou 
 
Cantador A  
- Eu não estou enganado  
eu sou maior no pecado 
porque Deus nunca pecou. 
Ou com todos os versos rimados, a exemplo das  sextilhas explicadas                      antes: 
Cantador A - 
Este verso não é seu 
você tomou emprestado 
 
Cantador B -  
Não reclame o verso meu 
que é certo e metrificado 
 
Cantador A - 
Esse verso é de Noberto 
Se fosse seu estava certo 
como não é está errado. 
 
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07 - Oito pés de quadrão                       ou Oitavas                      
Os oito pés de quadrão, ou simplesmente  oitavas,                      são estrofes de oito versos de sete sílabas.                      A diferença dessas estrofes de cunho popular para as                       de linha clássica é apenas a disposição                      das rimas. Vejam como o primeiro e o quinto versos  desta oitava                      de Casimiro de Abreu (1837 - 1860) são órfãos: 
Como são belos os dias 
Do despontar da existência 
- Respira a alma inocência 
Como perfumes a flor; 
O mar - é lago sereno, 
O Céu - Um manto azulado, 
O mundo - um sonho dourado, 
A vida um hino de amor. 
Na estrofe popular aparecem os primeiros três  versos                      rimados entre si; também o quinto, o sexto e o  sétimo,                      e finalmente o quarto com o último, não havendo,                      portanto um único verso órfão. Assim: 
Diga Deus Onipotente  
Se é você, realmente 
Que autoriza, que consente  
No meu sertão tanta dor 
Se o povo imerso no lodo  
apregoa com denodo 
que seu coração é todo 
De luz, de paz e de amor. 
 
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08 - Décimas                     
As décimas, dez versos de sete sílabas, são,                      desde sua criação no limiar do nosso século,                      as mais usadas pelos poetas de bancada e pelos  repentistas.                      Excelentes para glosar motes, esta modalidade só  perde                      para as sextilhas, especialmente escolhidas para  narrativas                      de longo fôlego. Ainda assim, entre muitos exemplos,                       as décimas foram escolhidas por Leandro Gomes de  Barros                      para compor o longo poema épico de cavalaria A  BATALHA                      DE OLIVEIROS COM FERRABRAZ, baseado na obra do  imperador francês                      Carlos Magno: 
 
Eram doze cavalheiros 
Homens muito valorosos 
Destemidos, corajosos 
Entre todos os Guerreiros 
Como bem fosse Oliveiros 
um dos pares de fiança 
Que sua perseverança 
Venceu todos os infiéis 
Eram uns leões cruéis 
Os doze pares de França.                            
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09 - Martelo Agalopado                     
O Martelo agalopado, estrofe dez versos de dez  sílabas,                      é uma das modalidades mais antigas na literatura de                      cordel. Criada pelo professor Jaime Pedro Martelo  (1665 -                      1727), as martelianas não tinham, como o nosso  martelo                      agalopado, compromisso com o número de versos para                      a composição das estrofes. Alongava-se com rimas                      pares, até completar o sentido desejado. Como exem                      plo, vejamos estes alexandrinos 
 
"Visitando Deus a Adão no Paraíso  
achou-o triste por viver no abandono,  
fê-lo dormir logo um pesado sono  
e lhe arrancou uma costela, de improviso  
estando fresca ficou Deus indeciso  
e a pôs ao Sol para secar um momento  
mas por causa, talvez dum esquecimento  
chegou um cachorro e a carregou,  
nessa hora furioso Deus ficou  
com a grande ousadia do animal 
que lhe furtara o bom material 
feito para a construção da mulher,  
estou certo, acredite quem quiser  
eu não sou mentiroso nem vilão, 
nessa hora correu Deus atrás do cão  
e não podendo alcançar-lhe e dá-lhe cabo                       
cortou-lhe simplesmente o meio rabo  
e enquanto Adão estava na trevas  
Deus pegou o rabo do cão e fez a Eva." 
Com tamanha irresponsabilidade, totalmente  inaceitável                      na literatura de cordel, o estilo mergulhou, desde o  desaparecimento                      do professor Jaime Pedro Martelo em 1727, em  completo esquecimento,                      até que em 1898, José Galdino da Silva Duda                      dava à luz feição definitiva ao nosso                      atual martelo agalopado, tão querido quanto lindo.                      Pedro Bandeira não nos deixa mentir: 
Admiro demais o ser humano 
que é gerado num ventre feminino  
envolvido nas dobras do destino 
e calibrado nas leis do Soberano 
quando faltam três meses para um ano  
a mãe pega a sentir uma moleza 
entre gritos lamúrias e esperteza 
nasce o homem e aos poucos vai crescendo  
e quando aprende a falar já é dizendo: 
quanto é grande o poder da Natureza. 
Há, também, o martelo de seis versos, como                      sempre, refinado, conforme veremos nesta estrofe: 
 
Tenho agora um martelo de dez quinas  
fabricado por mãos misteriosas  
enfeitado de pedras cristalinas  
das mais raras, bastante preciosas,  
foi achado nas águas saturninas  
pelas musas do céu, filhas ditosas. 
 
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10 - Galope à Beira Mar                     
Com versos de onze sílabas, portanto mais  longos do                      que os de martelo agalopado, são os de galope à                      beira mar, como estes da autoria de Joaquim Filho: 
Falei do sopapo das águas barrentas  
de uma cigana de corpo bem feito  
da Lua, bonita brilhando no leito  
da escuridão das nuvens cinzentas  
do eco do grande furor das tormentas  
da água da chuva que vem pra molhar  
do baile das ondas, que lindo bailar  
da areia branca, da cor de cambraia  
da bela paisagem na beira da praia  
assim é galope na beira do mar. 
Logicamente que há o galope alagoano, à                      feição de martelo agalopado, com dez versos                      de dez sílabas cuja diferença única é                      a obrigatoriedade do mote: "Nos dez pés de galope                      alagoano". 
 
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11 - Meia Quadra                     
Outra interessante modalidade é a Meia Quadra  ou versos                      de quinze sílabas. Não sabemos porque se  convencionou                      chamar de meia quadra, quando poderia, muito bem, se  chamar                      de quadra e meia ou até de quadra dupla. As rimas  são                      emparelhadas e os versos, assim compostos: 
Quando eu disser dado é dedo você diga dedo                      é dado 
Quando eu disser gado é boi você diga boi é                      gado 
Quando eu disser lado é banda você diga banda                      é lado 
Quando eu disser pão é massa você diga                      massa é pão 
 
Quando eu disser não é sim você diga sim                      é não 
Quando eu disser veia é sangue você diga sangue                      é veia 
Quando eu disser meia quadra você diga quadra e meia 
Quando eu disser quadra e meia você diga meio  quadrão. 
A classificação da literatura de cordel há                      sido objeto da preocupação dos chamados iniciados,                      pesquisadores e estudiosos. As classificações                      mais conhecidas são a francesa de Robert Mandrou, a                      espanhola de Julio Caro Baroja, as brasileiras de  Ariano Suassuna,                      Cavalcanti Proença, Orígenes Lessa, Roberto                      Câmara Benjamin e Carlos Alberto Azevedo. Mas a  classificação                      autenticamente popular nasceu da boca dos próprios                      poetas. 
 
No limiar do presente século, quando já brilhava                      intensamente à luz de Leandro Gomes de Barros, fluía                       abundante o estro de Silvino Pirauá e jorrava  preciosa                      a veia poética de José Galdino da Silva Duda.                      Esses enviados especiais passaram a dominar com  facilidade                      a rima escorregadia, amoldando, também, no corpo da                      estrofe o verso rebelde. Era o início de uma  literatura                      tipicamente nordestina e por extensão, brasileira,                      não havendo mais, nos nossos dias, qualquer vestígio                       da herança peninsular.  
Atualmente a literatura de cordel é escrita em  composições                      que vão desde os versos de quatro ou cinco sílabas                      ao grande alexandrino. Até mes mo os princípios                      conservadores defendidos pelos nossos autores  ortodoxos referem-se                      a uma tradição brasileira e não portuguesa                      ou espanhola. Os textos dos autores contemporâneos,                      apresentam um cuidado especial com a uniformização                      ortográfica, com o primor das rimas, com a beleza  rítmica                      e com a preciosidade sonora. 
 
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Saiba mais: http://www.ablc.com.br/ 
 
 
                    
 
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