terça-feira, 17 de novembro de 2009

MP acusa ONG de conter greve e salário de mineiros

Entidade, que bancou campanha de vereador, recebeu R$ 625 mil de ministério, mas não conseguiu comprovar gastos

Lúcio Lambranho

Enquanto a CPI das ONGs patina há mais de dois anos no Senado, entidades são usadas por patrões para remunerar sindicalistas, patrocinar eleições e conter greves e aumentos de salários de categorias profissionais. É o caso, segundo o Ministério Público do Trabalho, da ONG Terra Verde, de Criciúma, no sul de Santa Catarina, principal pólo produtor de carvão mineral do país.
Criada pela Carbonífera Criciúma, a maior produtora do minério na região, a ONG deveria atuar em projetos ambientais para recuperação de áreas degradadas pela exploração do carvão. De acordo com a denúncia, a entidade transferiu mais de R$ 27 mil, entre maio e fevereiro de 2007, para dois sindicatos que representam os mineiros que trabalham na empresa.

Ainda segundo a acusação, desse total, R$ 10.700,00 foram repassados ao presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Extração do Carvão de Rio Maina, Edson Nascimento, e mais R$ 1.800,00 ao presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Extração do Carvão de Forquilhinha, Antônio Carlos Alves. O restante do dinheiro acabou nos cofres do Sindicato de Rio Maina.
Para atuar na área ambiental, a Terra Verde recebeu, entre 2002 e 2007, R$ 625.060,83 do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT). O convênio foi estabelecido pela rubrica "Fomento a Projetos Institucionais para Pesquisa no Setor de Energia Elétrica" (CT-Energ).
De acordo com as informações do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), deste total, apenas R$ 247.282,59 foram aprovados pelo MCT. Em agosto deste ano, a pasta decretou a inadimplência do convênio, pois a ONG não conseguiu comprovar como gastou R$ 161.969,78. Outros R$ 216.717,59 ainda estão sem análise no MCT.
A entidade é administrada pelo filho de um dos sócios da empresa, Gustavo Gazolla, e teve seu título de utilidade pública municipal proposto por Edson Nascimento, conhecido como Edinho do Sindicato, também vereador de Criciúma e atual presidente da Câmara de Vereadores do município.
Toma lá, dá cá
A denúncia faz parte de uma ação civil pública proposta ainda em julho deste ano pelo Ministério Público do Trabalho, e tramita na 1ª Vara de Trabalho de Criciúma. A ação, à qual o Congresso em Foco teve acesso, também narra como a Carbonífera Criciúma bancou as campanhas eleitorais de Edinho do Sindicato, em 2004 e 2008.
Em 2004, segundo a denúncia, a empresa repassou R$ 30 mil dos R$ 37 mil arrecadados pelo sindicalista durante sua campanha. Já em 2008, a carbonífera, que também é a empregadora do presidente do sindicato, repassou R$ 53.192,00 na forma de patrocínio político para o presidente da Câmara de Vereadores.
"O 'toma lá, dá cá' praticado pela 'dobradinha' Edinho do Sindicato e ONG Terra Verde/Carbonífera Criciúma caracteriza a vergastada prática política do clientelismo e do exercício da legislatura em prol de interesse particular", resume o procurador do Trabalho Luciano Lima Leivas, autor da ação.
Além das contribuições de campanha e do dinheiro repassado pela ONG, Antônio Carlos Alves recebeu mais R$ 99.087,00 da Carbonífera Criciúma, segundo a denúncia. O dinheiro seria referente ao pagamento de mensalidade sindical do mês fevereiro de 2006.
Apesar de o dinheiro ter sido sacado por Alves, o recibo foi dado pelo sindicato comandado por Edson Nascimento, do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Extração do Carvão de Rio Maina. Embora tivesse 757 mineiros associados na época, o sindicato declarava oficialmente representar 2.286 trabalhadores.
"À evidência, o repasse de um quantitativo de mensalidades superior em mais de 300% do número real de trabalhadores filiados aos dois sindicatos obreiros conjuntamente considerados demonstra de forma unívoca o enriquecimento ilícito da representação obreira e a interferência indevida da empresa no financiamento das organizações sindicais e/ou de seus dirigentes", afirma o autor da ação no texto da denúncia.
Menor piso da região
Na ação, o procurador do Trabalho pede a dissolução do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Extração do Carvão de Rio Maina e o afastamento de Edson Nascimento e Antônio Carlos Alves das funções sindicais. Luciano Leivas também quer a condenação, por danos morais coletivos, no valor de R$ 762 mil. O valor corresponde ao total da renúncia salarial patrocinada pelos sindicalistas na negociação coletiva 2009.
Só neste ano, morreram três mineiros em acidentes de trabalho na Carbonífera Criciúma. A jornada de trabalho é regulada por um termo de ajuste de conduta com o Ministério Público do Trabalho. Pelo acordo, as atividades dos trabalhadores no subsolo não podem ultrapassar 6 horas diárias, contabilizando, no máximo, 36 horas semanais. Mas, até o final do ano passado, a jornada chegava a 10 horas, segundo o Ministério Público do Trabalho. O piso dos mineiros contratados pela empresa é de R$ 1.054,00 - o menor do setor na região.
O Congresso em Foco tentou contato com o MCT desde o último dia 25 de outubro por meio da assessoria de imprensa da pasta. Até o fechamento desta edição, o ministério não havia retornado o pedido de informações do site sobre o convênio realizado com a ONG Terra Verde.
O site também procurou os dois sindicalistas denunciados pelo MPT e a Carbonífera Criciúma. Nenhum deles retornou o pedido de esclarecimentos feitos pela reportagem.
http://congressoemfoco.ig.com.br/cf/noticia.asp?cod_canal=1&cod_publicacao=30584

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