Por: Alexandre Lucas(*)
A experiência do Caldeirão baseada na partilha da produção e na religiosidade popular merece o resgate histórico sem a maquiagem das elites e da Igreja Católica.
As vésperas de completar 73 anos do massacre ocorrido no sítio Caldeirão no Crato pelo Exército e pelo Polícia Militar do Ceará com o apoio das elites e da Diocese, pouco se sabe sobre a história e as atrocidades cometidas contra homens, mulheres, crianças e idosos que almejavam desfrutar da terra que um dia inventaram de cercar.O Caldeirão foi um exemplo de utopia possível. Em poucos anos cresceu a população da comunidade, chegando a cerca de dois mil habitantes. Camponeses advindos de diversas localidades e fugindo da exploração latifundiária acreditavam que a comunidade do Caldeirão era terra da prosperidade.
Uma comunidade auto-sustentável na qual seguia a lógica socialista de produção social e apropriação coletiva, ou seja, tudo que era produzido passava pela divisão.
Uma terra “emprestada” pelo Padre Cícero ao Beato José Lourenço e a sua comunidade serviu do pão de esperança e fraternidade, mas após a morte do “padim”, a terra foi requerida pelo uso da força e a pedidos dos salesianos. Vale destacar que quase todos os bens do Padre Cícero foram doados em testamento para Congregação dos Salesianos.
Qual a ameaça que essa comunidade representava para a Igreja Católica e para os latifundiários? A quem interessava a destruição sangrenta destes camponeses? É bem verdade que a história nos aponta algumas pistas. Uma delas é a ameaça à propriedade privada. Em Canudos ou na Guerrilha do Araguaia, o massacre ocorreu em defesa dos poderosos, sejam eles os donos das terras e das fábricas ou dos comerciantes da fé.
A revitalização do Caldeirão proposta pelo Governo do Estado em parceria com o Governo Municipal do Crato deve passar pelo resgate histórico e pela garantia de sustentabilidade e da melhoria das condições de vida da população do local. O projeto deve inclui a valorosa experiência de resistência dos camponeses do Assentamento 10 de Abril e a historiografia dos índios Kariri, que residem nas terras próximas ao Caldeirão e que tem histórias semelhantes: a ideia de poder cultivar e manter o meio ambiente como forma de sobrevivência e comunhão.
O povo brasileiro tem o direito à memória e à verdade dos fatos. Neste sentido é preciso não camuflar, nem permitir a hipocrisia como lençol da história. A verdade não pode ser apagada em romarias, como vem ocorrendo nos últimos anos. É preciso fazer uma leitura crítica, pois ainda podemos escutar os gritos dos cristãos que morreram inocentemente por fazerem do discurso uma prática.
Pela abertura irrestrita de todos os arquivos do Caldeirão e pelo direito a verdade dos fatos!
(*) Coordenador do Coletivo Camaradas, pedagogo e artista/educador
Fonte: www.vermelho.org.br
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