Dia Internacional da Mulher: Qual a origem deste dia?
Sempre se ouve falar de que o 08 de Março surgiu como Dia Internacional da Mulher em homenagem às 129 operárias que teriam sido queimadas vivas pelos patrões, dentro de uma fábrica, durante uma greve em Nova Iorque, em 1857.
Mas, há mais de 40 anos há controvérsias acerca da origem do Dia Internacional da Mulher.
Em 1984 a pesquisadora canadense, Renée Côté, publicou um livro intitulado: O Dia Internacional da Mulher – Os verdadeiros fatos e datas das misteriosas origens do 8 de março, até hoje confusas, maquiadas e esquecidas.
Na França, o jornal nº 0, de 8 de março de 1977, História d´Elas, publicado em Paris, alerta para a mistura de datas e diz que, em longas pesquisas, nada se encontrou sobre a famosa greve de Nova Iorque, em 1857.
No Brasil, em 2003, a professora da Universidade Federal do Ceará, Dolores Farias, baseada na pesquisa de Renée Côté publicou um artigo nos jornais “O Povo” e “Brasil de Fato” que causou muita surpresa e indignação.
Além dos estudos de Renée Côté, existem outras publicações que vão na mesma linha, tais como: “8 de Março: Conquistas e Controvérsias” de Eva A. Blay, de 1999; “O Mito das Origens: sobre o Dia Internacional da Mulher”, de Liliane Kandel, de 1982; “8 de Março, Dia Internacional da Mulher: em busca da memória perdida”, da Sempreviva Organização Feminista (SOF), de 2000.
Durante 10 anos, a canadense Renée Côté pesquisou em todos os arquivos da Europa, EUA e Canadá e não encontrou nenhuma referência à greve de 1857 nos jornais da grande imprensa nem em qualquer outra fonte de memórias das lutas operárias daquela época. Segundo a autora “essa greve nunca existiu. É um mito criado por causa da confusão com as greves de 1910; de 1911, nos EUA; e 1917, na Rússia”.
Coordenador do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC), Vito Gianotti nos brindou com um trabalho muito interessante acerca do tema, intitulado “O Dia da Mulher nasceu das mulheres socialistas”. Ele afirma que “essa confusão se deu por motivos históricos, políticos, ideológicos e psicológicos” e que o que houve foi uma mistura desta greve fictícia de 1857 com uma greve real que começou em 20 de novembro de 1909. Segundo ele, Renée Cote em seu livro, “prova por a+b, ao longo de 240 páginas, que as certezas criadas nos anos de 1960, 70 e 80 pelos movimentos feministas, a respeito do surgimento do 8 de Março, são pura ficção. Ela derruba um mito caro às mulheres feministas, que tanto penaram para afirmar esta data”.
Para ele “o livro acabou caindo no esquecimento porque é mais fácil aceitar versões já consolidadas de histórias, caras às nossas vidas, do que questionar mitos estabelecidos”. E vai além, afirma que outro fator determinante para que o livro da autora canadense caísse no limbo foi o fato dela deixar “transparecer, o tempo todo, sua visão favorável à autonomia dos movimentos sociais frente aos partidos e mostra uma prevenção à própria idéia de partido político”. Gianotti afirma que “o livro se insere no grande leito de luta autonomista, típica dos movimentos de esquerda dos anos 70. Isto cria uma animosidade com muitos setores da esquerda mais influente, que poderiam divulgar sua obra”. E diz que a questão-chave é “ ver por quê, no mundo bipolar da Guerra Fria dos anos 60 do século passado, os dois blocos em disputa aceitaram a versão de uma greve de mulheres, em 1857, nos EUA, e esqueceram uma outra greve de mulheres, em 1917, na Rússia”. E conclui: “Os motivos são mais políticos que psicológicos”.
Ele descreve muito bem o clima vivido nos anos 60, 70 e 80. Fala do surgimento do Dia Internacional das Mulheres Socialistas e diz acerca do 08 de março: “a partir de 1980, o mundo todo contará esta história acreditando ser verdadeira. Aparecerá até um pano de cor lilás, que as mulheres estariam tecendo antes da greve. Daquela greve que não existiu. A mitologia nasce assim. Cada contador acrescenta um pouquinho. “Quem conta um conto aumenta um ponto”, diz nosso ditado”. E questiona, “Por que não vermelho? Porque vermelhas eram as bandeiras das mulheres da Internacional. Vermelhas eram as bandeiras de Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo e Alexandra Kollontai, delegadas dos seus partidos, à 1ª Conferência das Mulheres Socialistas, em 1907; e da 2ª, na Dinamarca, em 1910. Nesta última foi decidido que as delegadas, nos seus países, deveriam comemorar o Dia da Mulher Socialista”.
Para corroborar suas afirmações, Gianotti fala acerca da comemoração do Dia da Mulher no Mundo…
Europa - A Primeira comemoração do Dia Socialista das Mulheres na Europa, aconteceu em 19 de março de 1911, proposto por Alexandra Kollontai, “para lembrar um levante de mulheres proletárias, na Prússia, em 19 de março de 1848. Nesse dia, escreveu Kollontai, as mulheres conseguiram do rei da Prússia a promessa, depois não cumprida, de obter direito de voto”.
EUA – a tradição era realizar o Dia da Mulher no último domingo de fevereiro, como ocorreu em 1911, 1912 e 1913. Em 1914, seguindo a indicação de Kollontai, foi comemorado em 19 de março.
Suécia e Itália – a primeira comemoração foi em 1º de março de 1911.
França e Alemanha – a primeira comemoração do Dia da Mulher foi no dia 09 de março de 1914.
“Em 1914, pela primeira vez, na Alemanha, Clara Zetkin e as mulheres socialistas marcam data do Dia da Mulher para 8 de março. Não se explicou o porquê dessa data, pois não precisava. Era um detalhe sem interesse. A data era totalmente indiferente. Tinha que ser qualquer dia. Importante era a realização do dia”.
Rússia – devido à opressão do czar, o primeiro Dia da Mulher só foi comemorado em 3 de março de 1913. Em 1914 não houve comemoração, pois todas as organizadoras do Dia da Mulher foram presas.
Em 1917, as mulheres socialistas realizaram seu Dia da Mulher no dia 23 de fevereiro, pelo calendário russo, que no calendário ocidental correspondia ao dia 8 de Março. Nesse dia explodiu a greve espontânea das tecelãs e costureiras de Petrogrado que, contrariando a decisão do Partido, saíram às ruas em manifestação por pão e paz. “Foi o estopim do começo da primeira fase da Revolução Russa, conhecida depois como a Revolução de Fevereiro”. Leon Trotsky e Alexandra Kollontai, membros do Comitê Central do Partido Operário Socialdemocrata Russo, escreveram: "O dia das operárias, 8 de Março, foi uma data memorável na história. Nesse dia as mulheres russas levantaram a tocha da revolução."
“Em 1921, realizou-se, em Moscou, na URSS, a Conferência das Mulheres Comunistas que adota o dia 8 de Março como data unificada do Dia Internacional das Operárias. A partir dessa Conferência, a 3ª Internacional, recém-criada, espalhará a data 8 de Março como data das comemorações da luta das mulheres”.
Gianotti refere-se ao 08 de março como um dia esquecido e depois reinventado e diz: nos primeiros anos da Rússia comunista, o dia 8 de Março era comemorado todo ano, como o Dia Internacional da Mulher Comunista. Mas, aos poucos, foi se “perdendo o interesse e o adjetivo comunista foi caindo à medida que o ímpeto revolucionário da União Soviética começou a se arrefecer”. No final da década de 20 e nos anos 30, “o Dia Internacional da Mulher, seja comunista ou socialista, se perderá na tormenta que se abateu sobre o mundo. A ascensão do nazismo na Alemanha, o triunfo do stalinismo na URSS e o declínio da socialdemocracia na Europa e o vendaval da 2ª Guerra Mundial enterram as manifestações do Dia das Mulheres”.
O coordenador do NPC afirma que “fora dos países comunistas, no Ocidente, a humanidade só voltará a falar do Dia da Mulher, no final dos anos 60. Nesse lapso de tempo, o marco do 8 de Março, data da greve das operárias de Petrogrado, de 1917, foi esquecido. A data da vitória das revolucionárias rebeldes russas, que impôs a derrota do absolutismo do Czar e deslanchou a Revolução Russa, não interessava aos comunistas do mundo todo. Estes, quase todos, viviam anestesiados pelos encantos ou pelo terror stalinista. Retornar a lembrança daquele 8 de Março das operárias revolucionárias de Petrogrado também não interessava à Socialdemocracia, rejuvenescida após a destruição da Segunda Guerra Mundial e em conflito aberto com o comunismo dos países do bloco soviético”.
Em seu artigo, Gianotti afirma que, “neste clima, propício ao esquecimento da verdadeira história do Dia da Mulher, já na década de 1950, nas publicações do Partido Comunista, na França, se começou a falar de uma forte luta das operárias americanas, em 8 de março de 1857. Talvez, a famosíssima greve do 1º de Maio, na Chicago de 1886 e as numerosas greves nas tecelagens americanas estimularam as fantasias e levaram a enfatizar a participação dos Estados Unidos na luta da mulher, o que favoreceu esta confusão de datas” E diz “… foi assim, sem precisar de uma conspiração organizada por um suposto império do mal, que na Alemanha Oriental, em 1966, a Federação das Mulheres Comunistas noticiou a história do Dia da Mulher, enriquecida com o martírio das 129 queimadas vivas”.
E mais: foi “sem nenhuma deliberação conspiratória, que o mito que acabava de ser criado, em 1966, no Leste Europeu, começou a ser divulgado e foi depois enriquecido fartamente, nos EUA do final dos anos 60 e em todo o mundo ocidental. Depois disso, era só enriquecer o mito. O que foi feito, até sua cristalização em 1975, com a ONU e logo depois com a Unesco, em 1977”.
Gianotti termina seu trabalho com afirmações muito fortes, enaltecendo a luta das mulheres e defendendo a derrubada do mito do 08 de março.
Ele afirma:
1. Que o Dia Internacional da Mulher é uma data muito rica que não precisa de mitos;
2. Que derrubar o mito de origem da data 8 de Março não implica desvalorizar o significado histórico que este adquiriu. Muito pelo contrário!
2. Que derrubar o mito de origem da data 8 de Março não implica desvalorizar o significado histórico que este adquiriu. Muito pelo contrário!
E mais, significa retomar:
• A verdade dos fatos que são suficientemente ricos de significado e que carregam toda a luta da mulher no caminho da sua libertação;
• Enriquecer a comemoração desse dia com a retomada de seu sentido original;
• Voltar às origens do ideal socialista da maioria das mulheres que lutavam por um mundo novo sem exploração e opressão do homem pelo homem e especificamente da mulher pelo homem;
• Integrar todos os novos e importantíssimos aspectos da luta da libertação da mulher, descobertos com a evolução histórica da humanidade no século XX, com a retomada de suas raízes socialistas;
• Integrar à clássica luta libertária, socialista e comunista do começo do século XX, as contribuições de diferentes linhas de pensamento e países, que vão de Wilhem Reich a Simone de Beauvoir, de Herbert Marcuse a Samora Machel, de Betty Friedann a Rose Marie Muraro.
• Integrar toda a luta do feminismo para construir uma sociedade onde a mulher seja reconhecida como gente;
• Integrar estas elaborações teóricas com as lutas e as experiências de vida de milhares de ativistas, militantes e organizadoras da luta das mulheres, no mundo inteiro: das guerrilheiras latino-americanas, às mulheres vietnamitas, das trabalhadoras das fábricas às plantadoras de arroz da Índia, das Mães dos desaparecidos argentinos às lutadoras pela reforma agrária do MST.
• Enriquecer a comemoração desse dia com a retomada de seu sentido original;
• Voltar às origens do ideal socialista da maioria das mulheres que lutavam por um mundo novo sem exploração e opressão do homem pelo homem e especificamente da mulher pelo homem;
• Integrar todos os novos e importantíssimos aspectos da luta da libertação da mulher, descobertos com a evolução histórica da humanidade no século XX, com a retomada de suas raízes socialistas;
• Integrar à clássica luta libertária, socialista e comunista do começo do século XX, as contribuições de diferentes linhas de pensamento e países, que vão de Wilhem Reich a Simone de Beauvoir, de Herbert Marcuse a Samora Machel, de Betty Friedann a Rose Marie Muraro.
• Integrar toda a luta do feminismo para construir uma sociedade onde a mulher seja reconhecida como gente;
• Integrar estas elaborações teóricas com as lutas e as experiências de vida de milhares de ativistas, militantes e organizadoras da luta das mulheres, no mundo inteiro: das guerrilheiras latino-americanas, às mulheres vietnamitas, das trabalhadoras das fábricas às plantadoras de arroz da Índia, das Mães dos desaparecidos argentinos às lutadoras pela reforma agrária do MST.
Para ele, a luta das mulheres, é “uma longa luta sem medo da felicidade, sem medo do prazer. Sem medo de lutar por uma revolução, que deverá ser social, sexual, e profundamente cultural. Sem medo de levantar as bandeiras vermelhas da luta pela libertação da humanidade. A libertação de homens e mulheres”
Vitória, Março/2010
(*) Da Coordenação Nacional da Intersindical e da Direção Nacional do PSol
Fonte: http://psolsp.org.br/?p=4717
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