segunda-feira, 19 de outubro de 2009

SINDURCA: Procura-se professor

Maria Angela de Lima*
Entre as teorias sobre a publicidade e propaganda, talvez a primordial seja o conceito A.I.D.A., isto é, uma mensagem publicitária deve chamar a atenção, gerar interesse, despertar o desejo e levar o público alvo à ação. Outro conceito importante diz respeito aos grupos de referência, aqueles com os quais um indivíduo se relaciona e utiliza como ponto de comparação na formação de seus valores, atitudes ou comportamento. Mas por que falar desses conceitos? Há vários em comunicação; por ora, esses dois bastam para analisar uma propaganda do Governo Federal que está sendo veiculada em cadeia nacional. O objetivo da propaganda é atrair novos professores para a rede pública de ensino. O problema já tem até nome: “apagão escolar”. Cada vez menos jovens querem ser professores e mais professores desistem da profissão. De acordo com o Instituto de Estatísticas da UNESCO (UIS), o Brasil terá de contratar 396 mil novos docentes até 2015. O difícil está sendo achar candidatos. Se os jovens não querem mais abraçar a carreira que era o sonho no passado, é porque já viram a realidade na sala de aula: professores desmotivados e falta de infraestrutura para a realização de um bom trabalho. Além disso, outras profissões lhes oferecem salários melhores, benefícios e reconhecimento social. 
Contra todos esses fatores, a referida propaganda traz o seguinte texto: “Locução em Off (voz masculina):Alguns países mostraram uma grande capacidade de se desenvolver social e economicamente nos últimos 30 anos. Nós perguntamos a pessoas desses países: “Qual é, na sua opinião, o profissional responsável pelo desenvolvimento?” Locução On (pessoas de diversos países - Inglaterra, Finlândia, Alemanha, Coréia do Sul, Espanha, Holanda e França - respondem a mesma palavra): O professor. Locução em On (mulher negra, professora, com livros nas mãos):Venha construir um país mais desenvolvido, mais justo, com oportunidades para todos. Seja um professor. Locução em Off (voz feminina)Informe-se no Portal do MEC. Ministério da Educação. Brasil, um país de todos”.
Ao pesquisar os números da educação nos países apontados na propaganda do Governo, é assustadora a disparidade com os nossos índices. De acordo com relatório “Panorama da Educação 2008” da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), enquanto os países citados na tal propaganda investem entre seis a oito mil dólares por aluno anualmente no ensino fundamental e médio, o que equivale a cerca de R$12.600,00 por aluno, o Brasil gasta cerca de R$2.700,00. Temos também uma das menores porcentagens do PIB gasto em educação, com 4,4%. Enquanto França e Finlândia, por exemplo, investem 6,0% e Coréia do Sul, 7,2%.
Utilizando o mesmo relatório da OCDE, ao comparar, em 2006, os salários de professores com o nível mínimo de qualificação exigido para a certificação no ensino fundamental e no ensino médio em instituições públicas nesses países, o susto é ainda maior. O salário inicial varia de vinte e cinco mil dólares anuais na França (cerca de R$3.800,00 por mês) até quarenta mil dólares na Alemanha (cerca de R$6.200,00 mensais). Enquanto no Brasil, o salário atual para os professores da educação básica é de R$ 950,00 mensais para a jornada de 40 horas semanais. Haja propaganda para reverter esse quadro.
Depois de formados, os jovens sonham com um futuro melhor. E dados os números expostos, esse futuro, com certeza, não está no caminho da docência. Mas o principal equívoco nessa propaganda, ironicamente intitulada no site do MEC de “valorização do professor”, é que ela se esquece dos grupos de referência. Isso mesmo. Os jovens têm em seus professores atuais o seu maior grupo de referência, ou seja, eles veem todos os dias muitos motivos para não escolher essa profissão. Portanto, a propaganda não gera interesse no “produto” (ser professor), não desperta o desejo; logo, não levará à ação.
Mas a mensagem chama a atenção; pelo menos a minha, que mais uma vez fiquei chocada com a coragem do Governo Lula. Desta vez de comparar a valorização e o respeito ao professor nos países citados na propaganda com o descaso com o qual somos tratados no Brasil. Fica a pergunta: desde quando propaganda resolve políticas educacionais mal elaboradas?
* É publicitária, professora universitária e mestre em Estudos Culturais.



Fonte: ANDES-SN

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