quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Deputados querem liberar candidatura de condenados

Parlamentares defendem mudança em projeto da “ficha limpa”, apresentado ontem, para permitir que condenados em primeira instância possam se candidatar

Renata Camargo

Os deputados começaram a reagir ao projeto de lei que exige “ficha limpa” dos candidatos, entregue ontem (29) pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) ao presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP). Em nome do consenso, parlamentares defendem a derrubada do dispositivo que torna inelegíveis políticos condenados em primeira ou única instância ou que tiveram denúncia recebida por órgão judicial colegiado.

Deputados ouvidos pelo Congresso em Foco alegam que a condenação em primeira instância não garante o direito de ampla defesa do acusado. Na avaliação deles, a confirmação da condenação em segunda instância daria maior legitimidade ao processo e evitaria injustiças motivadas por perseguições políticas.

O projeto, entre outras mudanças, proíbe que seja registrada a candidatura de pessoas condenadas em primeira instância por crimes como racismo, homicídio, estupro, tráfico de drogas e desvio de verbas públicas, por compra de votos ou uso eleitoral da máquina administrativa; assim como de parlamentares que tenham renunciado ao mandato para fugir de cassações ou que respondem a denúncias recebidas pelos tribunais superiores do Poder Judiciário.

Conheça a íntegra do projeto da "ficha limpa"

Rixa política

O presidente da Câmara admite que o ponto que proíbe a candidatura de condenados em primeira instância terá dificuldade de avançar na Casa. "É preciso que um órgão colegiado, um tribunal, ateste a integridade moral da pessoa que queira se candidatar", avalia Michel Temer.
O peemedebista não está sozinho em sua avaliação. “No campo político, as rixas são muito acirradas. Dizer que não pode se eleger por condenação em primeira instância é complicado. Ainda na primeira instância é uma condenação duvidosa. Há casos de condenados em primeira instância que, na instância seguinte, não foram condenados”, afirma o líder do PHS na Câmara, deputado Miguel Martini (MG).
O vice-líder do PSC Regis de Oliveira (SP) também concorda que é preciso debater melhor o critério de condenação em primeira instância. Para Regis, falar em condenação em segundo grau é mais coerente. “Prefiro falar em condenação em 2º grau. Não podemos cercear o direito de defesa”, considera Regis, ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Lincoln Portela (MG), vice-líder do PR, também questiona o artigo do projeto que veta a candidatura de pessoas com ações penais em órgão colegiado por diversos crimes, como tráfico de drogas, crimes eleitorais, trabalho escravo, exploração sexual de crianças e adolescentes, lavagem de dinheiro, entre outros.
“É preciso que haja muito cuidado no exame de um projeto como esse. É justo que se analise com mais profundidade a questão da condenação em primeira instância. E também é importante analisar a questão da denúncia. Quantas pessoas já foram denunciadas e depois provaram que eram inocentes?”, pondera o deputado.
O presidente da Associação Brasileira de Juízes e de Promotores Eleitorais, Marlon Reis, um dos responsáveis pela elaboração do projeto de lei de iniciativa popular, rebate o argumento de Lincoln.
“Denúncia recebida não é mero protocolo de uma denúncia. Quando colocamos denúncia recebida estamos nos referindo àquela que o tribunal reconhece como denúncia, pois tem os requisitos para ser recebida. Não é qualquer pessoa pode oferecer essa denúncia”, explica Marlon.
Dificuldade suprema
O juiz também defende a proibição da candidatura de condenados em primeira instância. Ele lembra que o Supremo Tribunal Federal (STF) – primeira instância para processos de deputados federais e senadores – não condenou nenhum parlamentar até hoje.
“Acontece que estamos tendo dificuldade de ter condenação em primeira instância, imagine querer confirmação em outras instâncias. Basta ver que o Supremo nunca condenou um parlamentar e o ele é a primeira instância para os deputados e senadores, pois eles têm foro privilegiado”, defende Marlon.
Levantamento feito pelo Congresso em Foco nos últimos 13 dias mostra que os procedimentos investigativos contra deputados e senadores aumentaram 51% desde o início da atual legislatura. O número de congressistas sob investigação no Supremo Tribunal Federal (STF) saltou de 101, em abril de 2007, para 152, até o último dia 17, quando foi concluída a pesquisa (leia mais).

A lista dos parlamentares processados, por estado

Sob pressão

Um grupo de 22 parlamentares, coordenado pelo deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ), protocolou na Mesa Diretora da Câmara um projeto de lei com conteúdo idêntico ao projeto de iniciativa popular. A intenção é acelerar a tramitação da proposta, já que um projeto de iniciativa popular, como o apresentado pelo MCCE, precisa ter as suas assinaturas conferidas.
“Há sempre a dificuldade de conferência das assinaturas, o que atrasa a tramitação do projeto. Por isso, apresentamos um projeto idêntico que tramitará em conjunto. Isso vai agilizar a tramitação", afirma Biscaia.
O deputado defende a aprovação do projeto tal como está, mas admite que as chances de a proposta prosperar na Câmara sem alterações são mínimas. Para ele, será preciso ceder para buscar um consenso. "Se conseguimos aprovar que a pessoa não se eleja com condenação de segunda instância, já será um avanço muito grande”, reconhece o deputado, que foi procurador-geral de Justiça no Rio de Janeiro.
Conscientização

A ideia de lançar a Campanha Ficha Limpa foi uma iniciativa que partiu da própria sociedade, a partir dos Comitês 9840 do MCCE nos estados e municípios. O movimento foi responsável pelo primeiro projeto de iniciativa popular que se transformou em lei no Brasil. A Lei 9.840, que proibiu a compra de votos e o uso eleitoral da máquina administrativa, está completando dez anos. Nesse período, já levou mais de 700 políticos à cassação do mandato.

A apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular precisa do apoio de pelo menos 1% do eleitorado nacional, distribuído no mínimo por cinco estados. O projeto da “ficha limpa” chegou à Câmara com o apoio de 1,3 milhão de assinaturas.

Parlamentares processados

O Congresso em Foco foi o primeiro veículo de comunicação brasileiro a publicar a lista dos parlamentares federais que respondem a processos judiciais. Isso ocorreu em março de 2004, logo após o lançamento do site, época em que foi contabilizado em 46 o total de congressistas então acusados criminalmente (confira).
  
Desde então, o site passou a publicar regularmente levantamentos de congressistas com pendências judiciais. Durante todo o período da legislatura passada (2003/2007), 206 deputados e senadores responderam a processos no Supremo Tribunal Federal.

À linha de acompanhamento aberta pelo Congresso em Foco seguiram-se outras iniciativas de grande repercussão, como o projeto Excelências, da Transparência Brasil, e a divulgação dos candidatos processados, durante a campanha eleitoral municipal de 2008, pela Associação dos Magistrados Brasileiros. Tudo isso aumentou muito as pressões contra a presença na política dos chamados “ficha-suja”.
Fonte: http://congressoemfoco.ig.com.br/

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